terça-feira, 19 de fevereiro de 2008


Participar de uma viagem de pesquisa ao continente gelado da Antártica, além do sabor de inusitada aventura, foi uma privilegiada experiência que marcou minha vida para sempre. Tudo lá pulsa de modo particular, sem a ciclicidade claro-escuro a que estamos acostumados nos trópicos, sem o som que nos acompanha no cotidiano, sem o colorido em que estamos mergulhados no dia-a-dia. O sol onipresente quase na linha do horizonte, o silêncio e o branco são as constantes de contraste. Acampar naquelas paragens remotas, onde os objetivos de nosso projeto de Geologia Antártica (coordenado por colegas da USP) nos indicavam os melhores locais, trouxe muitas oportunidades de aprendizado. Não somente profissionais (muito ricos), mas também como seres humanos.

A natureza intacta e equilibrada na Antártica está assim desde muitos milhões e milhões de anos. É uma região ao mesmo tempo agressiva, com extremos desafios à sobrevivência humana, mas também muito frágil, num equilíbrio tênue, alcançado ao longo de tempos remotos de nosso dinâmico planeta. Lá a natureza nos lembra sempre, a todo o momento, que devemos respeitá-la acima de tudo, e não dominá-la.

Nosso projeto fez parte do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), que, embora com pouca verba ao longo de sua jovem existência (nossa Estação Antártica Comandante Ferraz foi inaugurada em fevereiro de 1984), é um programa de sucesso, que merece, além de aplausos, mais atenção e recursos. Os pesquisadores brasileiros que participam do Proantar desenvolvem suas pesquisas a bordo de nosso navio de apoio oceanográfico “Ary Rongel”, ou hospedados em nossa agradável e bem mantida Estação Antártica, ou, como no nosso caso, acampados. Seja onde for, temos o constante, imprescindível e eficiente apoio da Marinha e da Aeronáutica do Brasil. Sem esses valorosos militares brasileiros, nenhuma pesquisa científica teria sucesso. Nossos objetivos específicos se concentram em pesquisar a evolução geológica do arquipélago das Shetland do Sul: sua origem, evolução, a vida ao longo dos sucessivos eventos e como isto pode se relacionar com a história do clima no planeta e, principalmente, como se correlaciona com fatos acontecidos em nossa região no Brasil.

Além disto, o Brasil, como um signatário do Tratado da Antártica (em vigor desde 1961, e com valor de direito internacional como a “Constituição” daquele continente), tem o dever de realizar pesquisas científicas antárticas e se manter com direito de decidir os destinos do continente. Ao longo dos anos, os países do Tratado vêm se reunindo e discutindo a Antártica. Por ser uma região extremamente rica em recursos naturais e energéticos foi motivo de grandes disputas. No momento, o Tratado está em vigor e respeitado. Até 2048 nenhuma exploração desses recursos está permitida.

Na corrida desenfreada do modo capitalista ocidental em que nos encontramos normalmente não nos damos conta de que não temos outro planeta para ir quando este aqui se esgotar. Aliás, por muito tempo temos vivido exatamente como fazem os gafanhotos. Felizmente, muitos movimentos surgiram e estão trazendo consciência e espírito crítico. Ainda é tempo. A atual postura em relação à Antártica é um exemplo. Mas não adianta tratar aquela região como especial se no restante do planeta a atitude é outra, com explorações inadequadas e altamente agressivas. O resultado disto terá reflexos não somente na Antártica, mas na vida diária de cada um de nós. A Antártica é uma fronteira. Um continente ainda por ser descoberto e, como o próprio planeta, por ser respeitado.
(José Alexandre J. Perinotto)
Professor do Departamento de Geologia Aplicada/IGCE/Unesp – Rio Claro(SP)

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